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Dois dias de troca de ideias envolvendo mais de 50 quebradeiras de coco babaçu, representando 15 comunidades dos municípios de Esperantina e São João do Arraial consolidaram ainda mais a luta dessas mulheres pelo acesso a terra e água na região. Decisões importantes foram tomadas no 4º encontro organizado pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, realizado dias 20 e 21 de outubro na comunidade de São José dos Órfãos (PI). Entre elas; a criação da Comissão da Água, o projeto Diálogos sobre Território, além de confirmarem para os dias 11 e 12 de novembro na Chapada do Sindá, a 5ª reunião sobre Diálogos sobre a Terra do MIQCB no PI. Ao proporcionar e viabilizar o atendimento informações sobre direitos territoriais, o MIQCB reafirma também o compromisso com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, apoiado pela União Europeia.

Vozes sábias e experientes, de quem quebra o coco babaçu há mais de 50 anos, se uniram com a força e garra da atual e jovem liderança. Encontros marcantes como o de dona Francisca Lera (uma das fundadoras do MIQCB), Francisca Nascimento (coordenadora geral do movimento), Cleonice de Sousa Ferreira (mobilizadora do 4º encontro), e tantas outras mulheres e homens que deixaram seu testemunho. Foram depoimentos sobre a violência moral, física e ambiental praticada constantemente (inclusive no próprio dia da reunião) pela família que se diz proprietária das terras localizadas nessas comunidades. Vozes e força que se unem em prol da melhoria da qualidade de vida das mais de 20 povoados da região.

Foi o caso da decisão tomada para a criação da Comissão da Água. O objetivo é reverter a situação de total desrespeito e descaso com o Açude de São Miguel, localizado a 20 minutos de caminhada da comunidade de São José dos Órfãos.  Os participantes do 4º encontro do MIQCB seguiram em caminhada rumo ao açude. A beleza dos babaçuais pelo caminho não foi suficiente para impedir a desolação que tomou conta de todos ao se depararem com a natureza quase morta.

Açude de São Miguel

Há dez anos, a família que se diz proprietária das terras, rompeu com a barreira do açude de São Miguel, reduzindo a estrutura a um pequeno olho d´água, com prioridade para os animais (bois e cavalos) que pastam na redondeza matarem a sede. “Mais uma violência com as famílias das mais de 20 comunidades da região, pois, hoje estamos sem água para as plantações, para os animais, uso diário, além de que  todo o babaçual ao redor do açude fica comprometido com a falta de água”, disse Cleonice de Sousa Ferreira.  Sem falar nas ameaças constantes feitas por aqueles que se dizem proprietários como a que aconteceu horas antes do 4º encontro do MIQCB para que a reunião não fosse realizada.


Uma reflexão profunda sobre Direitos e Garantias Fundamentais expressos pela Constituição de 1988 e a força do movimento popular articulado e independente para mudar realidades foram às pautas, após a visita ao açude. Francisca Nascimento, coordenadora geral do MIQCB, ressaltou a importância da organização coletiva para reivindicar direitos. “Juntos, ganhamos voz, construímos uma Teia das Quebradeiras de Coco Babaçu para alcançarmos objetivos que melhorem o nosso dia a dia”. Ela citou, por exemplo, a reestruturação do açude de São Miguel. Na ocasião foi criada a Comissão da Água que ficará responsável em apresentar orçamento, no próximo encontro, para reerguer a barreira do açude rompida.  


Direitos garantidos

Água e território preservados e com acessibilidade a todos constituem prerrogativas jurídicas de titularidade coletiva. São recursos que atendem não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. A Constituição de 1988, considera,  por ser a água bem ambiental, contida na natureza e sendo o meio ambiente alvo de proteção constitucional como se verifica no art. 225 caput da Constituição Federal do Brasil de 1988 (que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida). Neste artigo verifica-se que há outros direitos implícitos como o direito à vida e à saúde, bem como o princípio fundamental de dignidade da pessoa humana.


O advogado do MIQCB, Rafael Silva, reforçou a necessidade de mobilização das comunidades e ressaltou a importância de que em toda reunião seja necessário trazer o Diálogos sobre Territórios envolvendo temáticas como Direitos sobre a Terra, Usucapião entre outros. A Constituição de 1988 (artigos 231 e 232)  determina que o Estado deve promover a demarcação das terras, reconhecendo os direitos originários e imprescritíveis dos povos e comunidades tradicionais à posse permanente ao usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e lagos das áreas caracterizadas como sendo de ocupação tradicional. “Os povos e comunidades tradicionais camponesas têm uma historia marcada por destituições. É uma trajetória trágica de luta contra injustiças e ameaças. As quebradeiras de coco sabem e nos ensinam que a única forma de sobreviver é lutar”, enfatizou.


Por isso outra decisão importante do 4º encontro do MIQCB no PI,  em levar a temática sobre o território para reuniões e esclarecer sobre os direitos dos povos e comunidades tradicionais. Um exemplo é a família do seu Antonio Ferreira, de 73 anos. Ele mora desde 1958 em São José dos Órfãos e criou os 09 filhos com a renda do babaçu, todos envolvidos na atividade de quebrar o coco, sendo por lei o proprietário da terra, não devendo pagar a ninguém pelo seu uso. “Os camponeses sabem que a sede, a fome, a negação de direitos são ausências que pesam na vida humana. Com as mãos unidas se fortalecem e constroem novos espaços de esperança onde havia apenas vazio”, finalizou Rafael Silva.

Fonte – miqcb.org

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